Confissões
Por Joel Boa Sorte
Os desejos de Agostinho e os pesadelos de Dona Mônica, sua mãe, tornaram-se realidade. De um lado um jovem movido pelos prazeres da matéria; do outro, uma mulher determinada em oração e cheia de paz. Agostinho seguia uma corrente de pensamento não cristã e de filosofias antigas. Em decorrência, entregou-se ao pecado, tornou-se sexualmente promíscuo, buscando constantemente os prazeres da matéria. Mudou-se para Milão e alcançou muito sucesso. Quando não estava na vida boêmia ensinava filosofia a filhos de famílias ricas e influentes. Com o passar do tempo Agostinho revoltou-se contra Deus, mas Deus não se revoltou com ele. (Eu imagino que a misericórdia de Deus se fazia presente na vida de Agostinho graças às orações de sua mãe que buscava constantemente pela sua salvação). Enquanto lecionava, chegou à conclusão de que as filosofias que ensinava eram falsas. Estava preso a um estilo de vida depravada, embora desejasse encontrar liberdade. Numa tarde de agosto do ano de 386 d.C., Deus mudou para sempre a vida do professor de trinta e dois anos. Leia agora um pedaço dessa mudança descrita em sua obra autobiográfica Confissões:
Eu não estava disposto a trilhar seu caminho estreito. Mas começou a representar um grande fardo para mim o fato de eu continuar vivendo como um mundano, visto que ansiava pela doçura e beleza do seu lar eterno. A razão da minha falta de disposição devia-se ao fato de ainda estar arraigado à minha atração por mulheres.
Oh, sim, eu estava certo de que era melhor submeter-me ao seu amor do que me entregar à sensualidade. Por isso, continuei a dar ao Senhor a maçante e sonolenta resposta: “Mais tarde, Senhor. Buscar-te-ei mais tarde”.
Só que o mais tarde nunca tinha fim. Por eu ser tão violentamente tomado por meus hábitos, minha mente estava sendo dilacerada. Queria a liberdade, mas parecia agir contra minha própria vontade – eu supunha que estava contribuindo para esse estado de confusão à medida que me envolvia com o pecado.
Mas, oh, Senhor, tu usaste a vida de outros homens e mulheres transformados como um espelho em que eu pudesse estar sempre me encarando. Puseste-me frente a frente comigo mesmo para que eu pudesse ver quão deformado, desonesto, sórdido, manchado e contaminado eu estava. Horrorizado, tentei fugir de mim mesmo e, finalmente, descobri que tu também estavas lá, na minha frente. Querias que eu descobrisse minha iniquidade e a odiasse, porque ela me separava de ti.
Minha alma ainda estava partida.
Então, vivi muito tempo em silenciosa e amedrontada miséria, pois tinha medo de abandonar o pecado da mesma forma que temia a morte – mesmo ciente de que por causa da minha maldade eu estava definhando em direção à morte!
Um dia, lias as epístolas de Paulo, quando uma estranha agitação começou a mover minha alma. À medida que essa tempestade interior se desenvolvia, meu coração, minha mente e até meu rosto, ficaram descontrolados. Havia um jardim anexo à nossa casa e eu corri para lá para que ninguém me visse daquele jeito.
E lá estava eu, enlouquecendo a caminho da sanidade e morrendo a caminho da vida!
Minha mente estava frenética: tinha muita raiva de mim mesmo por não me entregar à tua lei que traz vida. Todos os meus ossos me diziam que se rendesse completamente a ti, ver-me- ia livre e cantando louvores aos céus. Sabia que precisava dar um passo – uma distância bem menor do que tinha percorrido quando deixei minha própria casa e vim para este banco onde caí em extrema depressão. Ir para junto de ti, achegar-se por inteiro a ti não requer outra coisa senão o desejo de ir. Mas é necessário desejar firme e completamente, não de forma debilitada, onde parte de mim permanece animada, lutando, enquanto a outra se mantém ligada às coisas terrenas.
Essa dificuldade para decidir por Deus ou por meus próprios desejos estava me torturando. Puxei meus cabelos, bati com a cabeça, fechei meus punhos e apertei meus joelhos com ambas as mãos. Todo o meu corpo sentiu a agonia do meu desejo de ir ao teu encontro, mas não pude fazer minha alma levantar-se e ir em tua direção. Sabia que era algo muito pequeno o que me impedia. Então, virei o corpo e movi-me como se estivesse preso a uma corrente e minha agonia fosse capaz de, finalmente, quebrá-la.
Intimamente, exclamei: “Isso precisa acontecer agora. Agora!”
E tu, oh Senhor, estavas todo o tempo nos lugares mais íntimos da minha alma! Com tua grande misericórdia, redobraste as chicotadas do medo e da vergonha para que eu não desistisse novamente, permitindo que a corrente que me separava de ti me prendesse muito mais do que antes.
Fiquei imaginando as vozes das meretrizes arrancando as minhas roupas e sussurrando: “Quer mesmo mandar-nos embora? Como pode viver sem nós?”
Saí apressadamente da casa para o jardim e joguei-me ao chão sob uma figueira. Lágrimas escorreram dos meus olhos. Gritei em alta voz; “Até quando continuarei a dizer ‘mais tarde’ e ‘amanhã’? Por que não posso pôr um ponto final nesta sujeira de uma vez por todas?”
Naquele exato instante, ouvi uma voz de criança vindo de uma casa vizinha – não sei se de menino ou menina – cantando continuamente: “Pegue e leia, pegue e leia...” Parecia o som de uma brincadeira infantil, mas nunca tinha ouvido antes semelhante música.
Aquelas palavras chegaram ao meu coração com a força de um comando divino: “Pegue e leia...”.
Forcei-me a parar de chorar e levantei-me do chão. Então voltei ao jardim, para o lugar exato onde havia lido as Escrituras, pois acreditei que a voz que ouvira tinha sido nada menos que uma ordem divina para abrir a Palavra e ler a primeira passagem que eu encontrasse.
Apanhei o Livro rapidamente, abri e li a primeira passagem que meu olho avistou: “Andemos honestamente, como de dia, não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti- vos do Senhor Jesus Cristo e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências” (Rm 13.13,14).
Agora ouça esta linda canção - Deus me Ama - Thales e André Valadão.
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